A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou
em maio de 2014 o primeiro relatório global sobre a resistência bacteriana -
Global Strategy for Containment of Antimicrobial Resistance. Segundo conclusão
da OMS a resistência a antibióticos é uma "ameaça global" à saúde
pública.
A análise de dados de
114 países sinalizou a situação alarmante frente a resistência bacteriana em
todas as regiões do mundo. “Estamos no rumo da ‘era pós-antibiótico’, em que
pessoas morrem de infecções simples que são tratáveis há décadas”, concluiu
Keiji Fukuda, diretor-geral assistente da OMS para Segurança da Saúde, na
introdução do relatório.Bactérias normalmente sofrem mutações até se tornarem
imunes a antibióticos, entretanto, o uso rotineiro de antibióticos na criação
de animais e, principalmente, o mal uso desses medicamentos - como prescrição
desnecessária por médicos ou suspensão de tratamento por pacientes - faz com que
isso ocorra mais rápido, ressalva o relatório.
Medidas Emergenciais
No relatório, a OMS releva a proximidade de
consequências "devastadoras" desde que sejam tomadas medidas
emergencialmente. Pontua grupos de antibióticos-chaves que não funcionam em
mais da metade dos pacientes, em diversos países; reuni informações sobre nove
bactérias particularmente problemáticas, e aponta pelo menos um dos
microrganismos e antibióticos utilizados para tratá-las.
Antibióticos como os carbapenêmicos usados para tratar
infecções causadas pela Klebsiella pneumoniae,
uma bactéria intestinal comum que pode causar infecções gravíssimas, ou até
fatais, em recém-nascidos e pacientes que se encontram em unidade de terapia
intensiva, em alguns países já não funcionam em mais de 50% dos pacientes.
As fluoroquinolonas,
indicadas para tratar infecções do trato urinário, também são ineficazes em
mais da metade das pessoas afetadas em muitas partes do mundo. Esforços para
limitar a propagação da tuberculose multirresistente, da malária e do HIV
também estão sob ameaça devido à crescente resistência bacteriana.
A resistência a
antibióticos está colocando pacientes em risco tanto em países desenvolvidos
como em desenvolvimento, à medida que bactérias responsáveis por diversas
infecções perigosas desenvolvem resistência às substâncias que costumavam
combatê-las.
Embora o desenvolvimento de resistência seja esperado ao
longo do tempo, o uso excessivo de antibióticos acelerou esse processo, ao
exercer uma pressão seletiva adicional, salientou o relatório, elaborado por
uma extensa equipe de especialistas da OMS. O problema é que existem poucas
opções para substituir os remédios que se tornaram ineficientes: a última
classe inteiramente nova de medicamentos antibacterianos foi descoberta a 27
anos, de acordo com a avaliação dos pesquisadores.
Ações Globais
Para lidar com o problema, a OMS pede ações
globais coordenadas em uma escala igual às que as nações do mundo estão tomando
para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas. O relatório recomenda uma
abordagem de múltiplas frentes. De acordo com a Organização, em muitos casos
testes de diagnósticos disponíveis já podem ser usados para ajudar a
identificar as bactérias que provocaram uma infecção, permitindo que médicos
optem por tratamentos com medicamentos mais específicos (direcionados), em vez
de recorrer a remédios de amplo espectro, que agravam a resistência. O problema
é que como esses testes são demorados, os médicos que receitam uma terapia
muitas vezes abrem mão deles, preferindo o caminho mais curto das drogas de
amplo espectro.
Portanto, o desenvolvimento de testes mais
rápidos é fundamental, conclui o relatório. A OMS também propõe um foco
renovado, e métodos padronizados, para rastrear cepas resistentes em todo o
mundo. Atualmente, não há um consenso global quanto à metodologia e coleta de
dados nessa área.
Além disso, existem soluções cotidianas
essenciais que comunidades e profissionais da saúde deveriam adotar, como as
melhores práticas de prevenção de infecções como a higiene das mãos com mais
frequência e vacinação das populações contra certas doenças para reduzir a
necessidade de antibióticos. Os pacientes também têm um papel de vital
importância ao usarem antibióticos somente quando forem receitados, observou a
Organização. “A
dimensão disso é aterrorizadora. Esse é um problema massivo de
saúde pública que está apenas começando a borbulhar para a superfície”, declara
Brad Spellberg, professor associado de medicina do Instituto Los Angeles de
Pesquisa Biomédica em Harbor – Centro Médico da U.C.L.A (Universidade da
Califórnia em Los Angeles). À medida que o uso global de medicamentos de último
recurso aumenta, a resistência a eles também acelera, agravando a crise.
“Já estamos observando isso”, admite Stuart
Levy, diretor do Centro de Adaptação Genética e Resistência a medicamentos da
Tufts University School of Medicine, que ajudou na elaboração do relatório da
OMS. “Em Uganda, tivemos um pneumococo multirresistente que estava sendo
tratado com medicamentos recomendados para doenças respiratórias, mas as
bactérias já eram 90% resistentes”. Nesse cenário, não havia remédios
alternativos prontamente disponíveis.
Uso racional de antibióticos
O relatório também
identificou que um tratamento usado como último recurso para combater a
gonorreia, infecção transmitida sexualmente e que pode levar à infertilidade,
"havia falhado" no Reino Unido, na Áustria, na Austrália, no Canadá,
na França, no Japão, na Noruega, na África do Sul, na Eslovênia e na Suécia.
Mais de um milhão de pessoas no mundo contraem gonorreia diariamente, segundo a
OMS.
"Nós encontramos
taxas altíssimas de resistência a antibióticos em nossas operações de
campo", diz a Jennifer Cohn, diretora médica da organização Médicos Sem
Fronteiras, para quem o relatório da OMS deve servir como um alerta. Cohn
acrescenta que um plano de ação global deve ser criado para o "uso
racional de antibióticos" e para que "medicamentos de qualidade
cheguem a quem precisa deles, mas sem serem usados em demasia ou vendidos a um
preço que os tornem inviáveis".
Nigel Brown,
presidente da Sociedade de Microbiologia Geral do Reino Unido, diz ser vital
que microbiólogos e outros pesquisadores trabalhem juntos para desenvolver
novas abordagens para lidar com essa resistência de bactérias. "Isso
inclui novos antibióticos, mas também estudos que levem à criação de formas
mais ágeis de diagnóstico, que ajudem a entenderem como os micróbios se tornam
resistentes a medicamentos e sobre como o comportamento humano influencia essa
resistência.
Fonte: Relatório da OMS sobre
resistência antimicrobiana. Disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112642/1/9789241564748_eng.pdf?ua=1>.
Acesso em 21 de abril de 2015.
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